segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sem respirar

Se ao menos eu não desse por nada....


Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,

Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve lhe o sangue
de afogueada;
saltam lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu a deitada;
serviu se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá lhe a mamada;
veste se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueija
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

("Calçada de Carriche" de António Gedeão / Imagem: Egon Shiele)

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Conversa de se-lo em A9

"A9 é o A4 dobrado 5 vezes", dizem eles, aqueles três espatafúrdios que deviam ser caricaturados e publicados no Leiricaturas:) Eu digo que é o tamanho de um selo.

Esta foi a minha colaboração com o A9. Foi publicada na primeira edição impressa, e sempre lhe achei piada.




Se quiserem dar uma espreitadela: http://a9sede.no.sapo.pt/

Episódio a retirar de cena

Já andava eu a imaginar o título do próximo post - Tempo que curas... -, em jeito de continuação, quando, eis senão quando, uns certos condimentos mediterrânicos me deram, literalmente, a volta às entranhas e, por consequência, ao humor!
Faz cuidado!!!

Chego hoje aqui e releio as notas de força e ânimo. Querem saber de mim, como ando; querem que escreva e que o meu sol continue a brilhar... também eu quero muitas coisas... queria ter tempo para ficar aqui, a explicar tim-tim por tim-tim o que me voa cá dentro, porque sei que assim organizava um pouco esta baralhada. Mas não tenho esse tempo! Queria continuar bem disposta (mesmo sentindo a culpa dessa boa disposição) - mas não! Estou com a neura. Uma das grandes!

Olhei para dentro e perdi-me!

Depois do jantar italiano, houve trabalho (demasiado), houve concertos (três), houve ginástica (a partir a loiça toda), houve consulta, houve noites mal dormidas... e ainda houve espaço para perceber que ando a fugir, afugir, afugirafugir...

AAaaaaaahhhhhhHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!

Desculpem! Tenho de ir.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Tempo que voas...

O meu amigo NN enganou-se no prognóstico. O resultado, ao fim de contas, não é Ana:1 - Demónios:0, mas sim: Ana:3 - Demónios:0! A vitória é indiscutível! No entanto, as noites não deixam de ser difíceis (Umas menos que outras, confesso!). Mas agora já não são os demónios que mas ocupam, mas antes uma avalanche de coisas que quero fazer/dizer e para as quais pareço não ter tempo. Oh, tempo... porque me escorregas assim por entre as mãos? Quase te invejo... Oiço a Gal Costa cantar-te "O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece".
Queria contar-vos tanto... sobre o Amor (o meu) que me morreu; sobre "a outra", a desalmada, que agora está num espécie de coma (contratei uma equipa de limpeza e decoração. Foram lá à torre e pintaram aquilo tudo de branquinho! Puseram quadros do Klimt e do Van Gogh pelas paredes e mais uma data de mariquices... ficou lindo! Cheira bem, a casa de gente. Então, cada vez que a miúda acorda, fica tão apatetada que cai em sono profundo novamente. Um dia destes tenho de lá ir visitá-la para conversarmos. Não vou desistir dela. Que raio de assistente social seria eu se o fizesse?); queria também falar-vos de algumas receitas maravilhosas que me têm transtornado a gula - não imaginam o prazer que tenho a cozinhar! Cozinho e canto! Os meus vizinhos não devem gostar muito da conversa, qua a banda sonora há anos que é a mesma, mas, sinceramente, estou-me pouco borrifando! O gozo que me dá... Queria também mostrar-vos a minha infância perfeita (mas tão perfeita!), a minha saída abrupta da mesma, a fotografia falada do meu primeiro beijo...

Mas não tenho como, porque life goes on e agora é tempo de remediar. Remediar não me chateia, porque sei que não posso passar incólume pelas minhas destemperanças. Chateia-me é o tempo que perdi com merdinhas sem jeito nenhum, e o tempo que vou ter de despender para as consertar! Enquanto isso, a gravidade parece ganhar nova força: as minhas maminhas já não são as mesmas de antes, as peles começam a ceder... mas pronto! Isso não interessa nada! Eu tenho é tantos planos e não vou ter tempo para os concretizar, e a principal responsável sou eu! Não é verdade que dizem que tudo tem um preço? Devíamos poder comprar tempo...
E enquanto penso nisto tudo, perco tempo, porque, no fundo, não resolvo nada e deveria era estar a dormir, para no dia seguinte acordar "fresca que nem uma alface"!
Como já devem ter reparado, o meu astral está um bocadinho muito mais para cima do que aquilo que estava no início do mês. Propus-me à minha missão, e cá estou eu, cheia de fôlego (literalmente! Se soubessem o significado que tem para mim respirar como deve ser!). No entanto, não consigo prever o estado da coisa para a semana vindoura. Vou à minha primeira sessão com a psicóloga, terei a minha primeira aula de condução (saiam das estradas), talvez experimente uma aula de yoga. Talvez me encontrem em estado de sítio. Ou talvez não! É que amanhã vou jantar ao italiano, depois vou ver a Maria João e o Mário Laginha, e no Sábado o trio “Fly”.

É por causa deste carrossel, que normalmente são as minhas emoções, que às vezes gostava de ser um pouco mais como o Ricardo Reis. A sua filosofia é a de procurar o caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos, aceitando o Fado (destino) como ordem natural das coisas. Intelectualiza as emoções para viver de forma serena e equilibrada. Com certeza, com a sua calma, não há de sentir as coisas pelo seu todo: não usufrui do muito bom, mas também não sofre o muito mau, porque está sempre ali, apenas “a ver o rio passar”, sem realmente fazer parte de todo o seu movimento. Diz ele à Lídia:

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Ai, Maria, que mentirosa és! Não suportava viver assim. Teria, provavelmente, uma vida mais equilibrada. E a serenidade faz-me falta, é verdade. Já dizia a minha avó (a minha avó é muito sábia, e diz muitas coisas) que no meio é que está a virtude. Mas venham os beijos e abraços e carícias. E deixem-me mergulhar nesse rio para sentir as suas marés, sejam elas de calmaria ou tempestuosas. Deixem-me sentir tudo, porque é assim que sei viver!

Bom! E agora, como não tenho tempo para continuar na calhandrice (que eu não tenho a vossa vida!), vou-me, como o coelho da Alice: sempre a correr, cheio de pressa, a olhar para o relógio, como se estivesse sempre atrasado para alguma coisa. O que é mau, muito mau (mas isso é esta história noutra história, que agora não tenho tempo!)!

Mas antes, deixo-vos com Khalil Gibran e O Casamento. Tinha eu 18 anos quando me apaixonei por um marinheiro (uma outra história. E que bonita que é!). E foi ele que me apresentou o que se segue. Era Verão, era praia e estávamos apaixonados…

ALMITRA falou de novo e disse:
- Mestre, que pensais do Casamento?

Ele respondeu, dizendo:

- Nascestes juntos,
juntos ficareis para sempre.

Ficareis juntos
quando as asas brancas da morte
dispersarem os vossos dias.

Sim. Ficareis juntos
até na silenciosa memória de Deus.

Mas que haja espaço na vossa comunhão;
e que os ventos do céu dancem no meio de vós.

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um empecilho:
seja antes um mar vivo entre as praias das vossas almas.

Enchei cada um o copo do outro,
mas não bebais por um só copo.

Partilhai o pão;
mas não comais do mesmo bocado.

Cantai e dançai juntos, sede alegres;
mas permaneça cada um sozinho,
como estão sozinhas as cordas do alaúde
enquanto nelas vibra a mesma harmonia.

Dai os vossos corações;
mas não a guardar um ao outro.
Porque só a mão da Vida
pode conter os vossos corações.

Mantende-vos juntos,
mas nunca demasiado próximos:
porque os pilares do templo
elevam-se, distanciados,
e o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro. . .

in "O Profeta"
de Khalil Gibran

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mamma Mia

Acabei de vir do cinema. Fui ver o Mamma Mia com a mia mamma! Podería dizer que foi uma piroseira - sempre foi a minha ideia dos anos 80 e dos Abba. Mas não. Foi lindo!!! Acho que ficámos as duas com vontade de pôr as nossas plumas ao pescoço, um gloss nos lábios, o nosso melhor vestido de lantejoulas e dançar ao som do Dancing Queen, com purpurinas à mistura;)

You can dance, you can jive, having the time of your life
See that girl, watch that scene, dig in the dancing queen


What a moment:)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Noites dificeis

Ontem a minha amiga S enviou-me um mail. Li-o, reli-o, chorei-o. Falava-me de castigo e redenção. Falava-me do tempo em que eu tocava guitarra embevecida até babar, enquanto ela lia romances em cima da minha cama. Fez-me voltar atrás, a S... como se esses tempos tivessem sido há 50 anos, embora pareça que foi ontem! Fez-me lembrar das nossas hormonas aos saltos com os bébés do corredor de cima e os bebés do corredor de baixo; das nossas paixões desmesuradas por lancelotes e artures de avalon... e por instantes estive lá outra vez, com a minha essência, e percebi que ainda está cá toda. Intacta! Eu estou cá! Tal como a S me conheceu/conhece!
A minha amiga S é implacável! Diz-me ela "e eu, ana, eu quero la saber! quero la saber da tua boa educação ou da boa menina que supostamente es.porque o meu afecto e imperecivel". E depois diz-me que o mundo continua a girar e que só temos de enfrentá-lo juntas! Juntos!
Se voçês soubessem a minha sorte... a minha boa sorte! A quantidade de amigas/os S que eu tenho. Que todos os dias me ligam, procuram, insistem na minha não-desistência. Que todos os dias me pedem, como a S, que me/lhes dê uma outra oportunidade! Que todos os dias procuram mostrar-me aquilo que de bom há em mim. Até amigas S que eu nunca vi me têm vindo dar palavras de força todos os dias. Se calhar é porque, como uma delas diz, eu mereço! Se calhar há realmente uma parte em mim que é fabulosa. E eu até a conheço. E gosto dela.
Mas há outra parte em mim... que não me tem deixado dormir!
Eu até tenho passado bem os dias. "Bem" é um termo relativo, mas tenho-me sentido realmente bem, muito mais leve, aliviada, de novo com um sol cá dentro! Mas à noite, quando chega a hora de dormir, chega a hora de deprimir. De reflectir. Eu esforço-me para dormir. Juro! Tomo comprimidos, estafo-me a trabalhar, chego à cama toda partida da porrada que levo na fisioterapia (só a mim é que não me calham terapeutas como o da ovinho estrelado!). Mas dormir, 'tá quieto oh mau! Mas em que tento pensas tu, mulher? Na outra!
Na outra, que não é outra coisa nenhuma! Sou eu! Mas dá-me cá uma dor de cabeça aquela garota...! Já a conheço há alguns anos... eu e mais alguns maltrapilhos a quem mostrei a passagem secreta. Sim. Ela vive numa torre. Prendi-a lá! Daquelas torres como a da Rapunzel, sabem? Sem portas, nem janelas. Mas esta é escura, fria, as paredes são húmidas e há qualquer coisa viscosa que se lhes escorre por aí abaixo. Há aranhas a passar constantemente na pedra cinzenta. Ao fundo ouvem-se ratos! O cenário não poderia ser mais tenebroso, mas é aí que a menina merece estar! É que aquela depravada não tem remédio! Ou melhor, eu até acho que tem, mas vai dar trabalhinho! Então não é que ainda ontem veio ter comigo com falinhas mansas! Ah, mas eu não perdoei! Houve discussão e da grossa! Com direito a asneiredo, gritaria, chapada e muita lágrima! Agarrei-a pelos cabelos e fui mostrar-lhe o que as minhas amigas S me têm feito. E mostrei-lhe ainda as fotos com as consequências do terramoto que a criatura causou! Acho que primeiro ficou danada. Depois, envergonhada. De repente só lhe vejo a lágrima no canto do olho, o queixo a tremer, e pôs-se a fugir dali para fora. Nunca mais lhe pus a vista em cima. Coitada. Deve ter ficado chocada!
Mas é bem feito! É que aquela besta (que não tem outro nome) é uma desavergonhada! Se voçês soubessem... é preguiçosa, asneirenta, depravada, despreocupada, maliciosa, manipuladora... e podia continuar mais uns quantos parágrafos que não chegavam para descrever a dita cuja! e até nem sei se ela tomará banho - quer-me cá parecer que não. desconfio que usa daqueles perfumes à puta francesa para disfarçar...
Ora vejam bem! O meu tipo de homem sempre foi como... o Robert Redford, no África Minha. Que pedaço! Belo, inteligente, seguro de si. Um Homem à séria! Mas, ao contrário do Robert, o meu homem de sonho quer assentar e ser pai de familia (de preferência de 5), mas quer também pegar na guitarra e tocar-me umas belas baladas para eu cantar, ou discutir literatura comigo em frente à lareira, com uma bela garrafa de tinto, durante largas horas (ou fazer outras coisas...). Ele também gosta de convidar os amigos para umas jantaradas (é do género que gosta de grelhar coisas!), e de vez em quando lá se lembra e convida-me para irmos um ano para o Chile fazer voluntariado. O meu homem é quase o meu melhor amigo. E um belo amante. Já sei, já sei! Sou exigente! A minha avó sempre mo disse!
Não é que a gaja, perante este meu idílio, diz-me que sou uma beta! Uma tia! Agora reparem bem no tipo de homem da rapariga: um James Dean (mas sem classe nenhuma, claro está!). Casaco de cabedal, cigarro na ponta da boca, olhar perdido no vazio... o tipo que tem as miúdas que quer e que é do género: "sou intocável", mas que no fundo não passa de um maltrapilho. Jesus (ler com prenúncia americana)!!! Mas eu já comecei a perceber a coisa. A miúda sabe que facilmente catrapisca essas biscas. Ora, como se sente sempre uma merda de pessoa, ao atrair os inergúmenos dessa laia (os tais intocáveis) vai sentir que afinal é importante, que tem algum valor, pois estes acabam sempre por tratá-la como "rainha", "mulher da minha vida", etc.... Ou seja, no fundo, a catraia acaba por usar os pobres coitados!
Bom! Mas voltemos às noites mal dormidas! Tudo isto por causa da desalmada! Primeiro penso: será que devo apresentar a minha outra parte ao meu núcleo duro? (minha outra parte, que não é parte nenhuma! Sou eu blablabla...) Depois penso: .... não vale a pena! Ela não esteve adormecida cerca de três anos? Pode ser que agora adormeça de vez! Podes tentar matá-la. Mas estás parva? Se eu a mato, mato-me. Isso não funciona assim! (E enquanto este monólogo se prelonga, os lençois vão ficando cada vez mais desaconchavados) E continua: então, mas não será melhor antes de a dares a conhecer, tentares percebê-la um pouco melhor? Como? Bom! A escrita não será mal pensado, já que é uma forma de organizar o pensamento... Ok! Então, mas e se avançar com o projecto de apresentar a dita cuja, a quem é que o vais fazer? E como? (às tantas já estou deitada com os pés no lugar da cabeça) E aí começo a pensar: primeiro à familia mais próxima; depois à CR e ao PS; também gostava que os meus amigos old school participassem nesta reforma: a E, a S, a C, a A, a J, o D, o P, o P, o R, a M, o N, o PJ, o M, o G, as manas L e M; depois os new school: a P, o N, a T, o R, a I, a P; e ainda as minhas doces assistentes M,E,P e T;etc. Então!?! Mas o teu núcleo duro ultrapassa as trinta pessoas? Não achas isso um bocado muito estranho?
Entretanto, o dia começa a clarear e eu lá adormeço. Passado pouco tempo o despertador toca. Há dias em que me levanto com a força de uma Carmen Bezelga: vou conquistar o mundo!!! Outros há em que o meu maior desejo é esconder-me para sempre debaixo dos cobertores. Mas, como diria o meu pai "há um mundo lá fora", e eu quero ver se não perco mais pitada!
Eu até tenho passado bem os dias. "Bem" é um termo relativo, mas tenho-me sentido realmente bem, muito mais leve, aliviada, de novo com um sol cá dentro! Só as noites é que têm sido mais dificeis...
Fora a de ontem que foi extraordinária! Primeiro porque fui ver o meu amigo P tocar e ele é uma bomba - vai ser famoso:); depois porque fui muito bem acompanhada - pelo meu queridissimo NN que tem sido incansavel comigo e que é alguém que admiro muito, e pela minha marocas, com quem já tinha muitas saudades de me rir à parva; e por fim, porque o pianista me fez voar. JURO! Acho que gostei mais do concerto de ontem do que quando fui ver Chick Corea!
Minhas senhoras, meus senhores, deixo-vos por agora, bem disposta (ainda é de dia), e com um link para um vídeo que achei muito bonito e comovente (foi o Sr. S que mo enviou. Obrigada Sr. S).

sábado, 6 de setembro de 2008

Tudo me chove

Ontem choveu tanto! Lá fora, cá dentro... Chovia o tempo e chovia eu. 
Tudo à volta exageradamente aumentado. Sabem? Como quando olham para o horizonte e tudo é pequeno; ou para as estrelas e até nós nos tornamos minúsculos? Exactamente o contrário! Tudo enorme: a dor, o desoriente, a dúvida, a ânsia. Eu grande demais para caber em mim. Eu e os meus eus - todos desordenados, desalinhados, como naquele jogo em que se chama o Sr. Dr. para dar uma ajudinha. Mas o Dr. também estava doente e não pôde dar a mão.
Presa em casa. Presa em mim. Cada passo que dou parece um pontapé num portão metálico; cada palavra que digo soa-me a grito no meio de uma Sé. Tanta exposição. Socorro! Agora só quero o escuro, o silêncio, o vazio. 
Desculpem! Não queria ser mal educada! Nunca o quis! Até me dizem que sou bem comportadinha, boa menina. Pelos vistos enganaram-se. Enganei-me!
Hoje não chove tanto, mas continuo a sentir cinzento! Isto de fazer nascer cabelos brancos aos outros é obra! Mal feita, muito mal feita! E deixa um sabor a fel... Já não sinto cá nenhum sol, nem no cantinho mais fundo. Pode ser que amanhã mude...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Começar em Setembro

(Re)Comecei no dia 1 de Setembro uma nova etapa. É estranho ser em Setembro. Setembro sempre me deu a ideia de fim! Em Setembro sempre deprimi. Sempre chorei. Sempre fechei.

Um amigo deu-me um livro: "O tecido do Outono", do Alçada Baptista. Passei-lhe os olhos. Comecei a ler. Meteu-me medo. Deu-me coragem. Fez-me pensar que talvez também a mim me mudasse o rumo. Acredito que sim. Por isso mete medo! Já o pousei de novo. Quero pegá-lo no seu todo! Aliás, quero pegar a minha vida toda no seu todo! Como sempre... Mas desta vez com jeitinho. Passar por cada página com olhos de ver. Com o coração todo ali!

É quase Outono. Não fiz praia pela primeira vez. Não se notam em mim nenhuns rastos de sol. Mesmo! A minha pele está pálida. Eu estou pálida. Lívida. De medo. De raiva. De dor. De nôjo!!!

Mas é engraçado. Cá no fundo, mesmo lá naquele cantinho do fundo, sinto um certo calor. Como se fosse um Sol pequenino a surgir. Tímido. Muito tímido! Parece-me segredar baixinho que é o meu Sol de Setembro. O meu Sol de Outono. É mesmo engraçado! O Setembro, o Outono, o Sol, um (re)começo. Como se isso me passasse alguma vez pela cabeça! Começar em Setembro. Eu, que nasci em Março! Mas é possivel que sim. Pode ser que sim.

Decidi começar então! Um passo de cada vez... mas já com tantos planos: um corte novo de cabelo, a carta de condução tirada, a pena cumprida, a Ana assumida, um Blog... o meu primeiro Blog! Eu, que nunca achei piléria a esta coisa. Exposição narcisística! Virtual em deterimento de real! Mas rendo-me! Vou ter de me render a tantas coisas...

Cheguei aqui sem roupa no corpo. Assim se me vos apresento. E assim vos dou Edgar Morin:

"A ideia que se possa definir homo, dando-lhe a qualidade de sapiens, isto é, de um ser razoável e sábio, é uma ideia pouco razoável e pouco sábia. Homo é também demens: manifesta uma afectividade extrema, convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais de humor; traz em si uma fonte permanente de delírio; crê na virtude de sacrifícios sangrentos; dá corpo, existência, poder a mitos e deuses da sua imaginação. Há no ser humano um salão permanente de Ubris, a desmesura dos Gregos.
A loucura humana é fonte de ódio, crueldade, barbárie, cegueira. Mas sem as desordens da afectividade e as irrupções do imaginário, sem a loucura do impossível, não existiria entusiasmo, criação, invenção, amor, poesia.
Do mesmo modo, o ser humano é um animal não só insuficiente em razão mas também dotado de sem-razão.
Todavia, temos necessidade de controlar homo demens para exercer um pensamento racional, argumentado, crítico, complexo. Temos necessidade de inibir, em nós, o que demens tem de mortífero, mesquinho, imbecil. Temos necessidade de sabedoria, que nos pede prudência, temperança, cortesia, desprendimento.
(...)
Prudência, sim, mas não será esterilizar as nossas vidas ao evitar o risco a todo o preço? Temperança, sim, mas será necessário evitar a experiência da «consumação» e do êxtase? Desprendimento, sim, mas será necessário renunciar aos laços da amizade e do amor?
O mundo em que vivemos é, talvez, um mundo de aparências, a espuma de uma realidade mais profunda que escapa ao tempo, ao espaço, aos nossos sentidos e ao nosso entendimento. Mas o nosso mundo da separação, da dispersão, da finitude, é também o da atracção, do encontro, da exaltação. Estamos completamente imersos neste mundo que é o dos nossos sofrimentos, das nossas felicidades e dos nossos amores. Não sentir é evitar o sofrimento mas também o regozijo. Quanto mais aptos estamos para a felicidade mais aptos estamos para a infelicidade. O Tao-tö-Kung diz precisamente: «a infelicidade caminha de braço dado com a felicidade, a felicidade deita-se aos pés da infelicidade.»O nosso presente está em busca de sentido. Mas o sentido não é originário, não vem do exterior dos nossos seres. Emerge da participação, da fraternização, do amor. O sentido do amor e o sentido da poesia é o sentido da qualidade suprema da vida. Amor e poesia, quando concebidos como fins e meios do viver, dão plenitude de sentido ao «viver para viver».
(...)
Portanto, podemos assumir, mas com plena consciência, o destino antropológico do homo sapiens-demens, isto é, jamais cessar em nós o diálogo entre sabedoria e loucura, ousadia e prudência, economia e despesa, temperança e «consumação», desapego e apego.
É aceitar a tensão dialógica, que mantém em permanência a complementaridade e o antagonismo entre amor-poesia e sabedoria-racionalidade."

(in Morin, Edgar; Amor, poesia, sabedoria; Lisboa : Instituto Piaget, D.L. 1999, p.9-13)